Natais Por Francisco | O POVO Online

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“Fui me humanizando cada vez mais. Humanizar é olhar também com o coração, ver o outro como recurso, que pode acrescentar algo naquilo que estamos fazendo. Não ver como carente” Adalberto, psiquiatra. Para tratar os males da alma, o remédio pode estar na própria natureza humana. Dor e amor ressoam uns nos outros Perto de morrer, um homem pobre chamou os quatro filhos e lhes deu quatro varas. Pediu-lhes que quebrassem as  ras uma a uma, e o fizeram. Depois, disse-lhes que juntassem as varas e assim tentassem parti-las. Não conseguiram. Então, o pai legou aos filhos: “Enquanto vocês forem unidos, como essas varas, ninguém vai quebrar vocês”. Quando, em 1988, o velho narrador do Pirambu (Zona Oeste de Fortaleza) levantou a mão na roda de conversas e contou a parábola das quatro varas, doou o que possuía (a sabedoria) à terapia comunitária que brotava embaixo do pé de cajueiro. O movimento – iniciado pelo psiquiatra, antropólogo e, antes de tudo, sertanejo Adalberto de Paula Barreto, 65 – é feito ciranda: qualquer um vem, traz seu canto (de desespero ou de esperança, tudo se partilha), e se une ao próximo. Dessa união se faz o inquebrantável. No Projeto 4 Varas, se cruzam rezadeiras e médicos, chás e remédios, popular e erudito, divino e ciência. O fio da meada: o “universo mágico-religioso” de Canindé (120,2 Km da Capital), onde a casa dos avós era pensão para romeiros e onde, imagina Adalberto, “São Francisco era o grande presidente dessa república dos excluídos do Brasil”.

Para tratar os males da alma, Adalberto receita, primeiro, escuta e conversa Adalberto quis ser padre, e quis ser médico, e “quis ser como São Francisco”. E quis a filosofia da vida, e o conhecimento da cura, e o entendimento da loucura. Nesse querer, ele se engrandeceu: é muitos. “Fui me humanizando cada vez mais. Humanizar é olhar também com o coração, ver o outro como recurso, que pode acrescentar algo naquilo que estamos fazendo. Não ver como carente”, espelha. Desde que levou a universidade até o Pirambu, o psiquiatra elabora uma terapia com o povo. “Fui descobrindo que, detrás de uma benzedeira, tinha uma acolhedora, alguém que superou um problema… Detrás de alguém que cuida tem a superação de uma dor ou um grande amor”, agrega. “Sofrimento se acolhe com recursos da cultura… É desse encontro do imprevisível que as coisas vão clareando. Eu trouxe o meu saber, você trouxe o seu. As grandes mudanças só acontecem quando a gente gera dúvida na certeza do outro”, considera. Para tratar os males da alma, ele receita, primeiro, escuta e conversa. “Aprender a escutar sem etiquetar o outro. Não trabalho com etiqueta, trabalho com compreensão. É olhar mais para o lado positivo da pessoa”, esperança Adalberto. Dor e amor ressoam uns nos outros, e o remédio é manipulado com a própria natureza humana. Adalberto experimenta que basta ser (esperança, luz) para que tudo se transforme. A tese veio com a prática, de Canindé à França. Há tempos, em Paris, uma senhora lhe agradeceu por tê-la curado e afirmou que o mérito não era da medicação (a mesma de outras quatro tentativas). “Se não foi meu remédio, foi o quê?”, surpreendeu-se o psiquiatra. “Foi porque eu senti que o senhor acreditava que eu podia ficar boa”, respondeu-lhe a paciente.

Fonte:
https://especiais.opovo.com.br/nataisporfrancisco/esperanca/